quarta-feira, 4 de maio de 2016

O voo do passarinho (Homenagem a Mario Quintana)




Em cinco de maio de mil novecentos e noventa e quatro, um lindo passarinho alçou voo para nunca mais voltar... Morria o escritor Mario Quintana. Poeta humilde que falava de coisas simples. Até mesmo sua morte, momento que foi ofuscado pela passagem de outro grande nome, Ayrton Senna, revelou sua simplicidade. 

Conheci Mario Quintana de uma forma muito linda, quando eu tinha 10 anos de idade. Minha família não tinha qualquer assinatura de jornal impresso, mas um dia, entro em casa e em cima da mesa vejo um. Folheio, principalmente para procurar imagens ou até mesmo a seção de piadas e de repente, em uma das páginas, vejo um texto de Quintana, era uma linda reflexão sobre o tempo e  foi ali que li pela primeira vez li a frase:

 “o segredo não é correr atrás das borboletas... é cuidar do jardim para que elas venham até você”.
 Fiquei encantada.

Já em outro momento da vida, após ter adquirido mais maturidade literária, encontrei-me novamente com Quintana e dessa vez, deixei-me inebriar por suas palavras, seus pensamentos e seus poemas... Como não se sentir apaixonada por tão belas palavras: lindas interpretações daquilo que via e presenciava. Poeta é aquela pessoa que consegue exprimir através de palavras aquilo que nós não conseguimos, apenas sentimos. Como não fechar os olhos e sentir por dentro a emoção de poder reproduzir “tão bom morrer de amor e continuar vivendo”. Quantas pessoas já cultivaram amizades eternas com a frase “amizade é um amor que nunca morre”. Quantos já expressaram a urgência de amar dizendo “a vida é breve, e o amor mais breve ainda”.
Quintana pedia, implorava em suas palavras para que jamais fosse esquecido, e se caso isso viesse a acontecer que pudesse ser “bem devagarinho”

Quanto mais lemos Quintana, mais temos vontade de ler. As palavras de fáceis interpretações, as verdades mais latentes e a delicadeza dos sentimentos estão impressas em cada verso, em cada poema, em cada reflexão. É difícil não se apaixonar, falo por experiência própria. Sabe quando encontramos alguém que faz poesia até dos infortúnios? Encontrei esse alguém em Quintana. Já com a idade avançada, sem nenhum familiar que pudesse lhe dar abrigo, o poeta gaúcho foi morar em um pequeno apartamento emprestado. O local era bem pequeno mesmo. Uma repórter, intrigada com aquela situação, perguntou-lhe se não se sentia mal por morar em um lugar tão apertado. Quintana respondeu:

“Eu moro em mim mesmo. Não faz mal que o quarto seja pequeno. É bom assim, tenho menos lugares para perder as minhas coisas”.

Podemos ainda notar a simplicidade de Quintana quando, após três tentativas frustradas de se tornar um imortal da Academia Brasileira de Letras, inocente diante de todos os meandros políticos que há por trás dessa grande instituição, respondeu de forma bem humorada a todos aqueles que atrapalharam seu sonho: 


Todos estes que aí estão

Atravancando meu caminho

Eles passarão...Eu passarinho!

Um dia, esse pássaro alçou voo. Mas pediu delicadamente a todos que não consultassem os relógios quando esse dia chegasse. Para Quintana “o tempo é uma invenção da morte”. Chegou o dia em que ele “acabou”. Sua maior tristeza não era morrer, mas sim deixar de viver. Mas suas poesias, seus sonhos e seu legado perpetuam no coração de seus leitores e admiradores. 


Quando morremos, acontece com as nossas esperanças o mesmo que com esses brinquedos de estátuas, em que todos se imobilizam de súbito, cada qual na posição do momento. Mas as esperanças têm menos paciência. E vão imediatamente continuar no coração dos outros, o seu velho Sonho Interrompido. 
(Mario Quintana)