quinta-feira, 4 de maio de 2017

Uma pedra no meio do caminho

Drummond, em um de seus mais célebres poemas, diz: "no meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho." Sempre me coloquei no lugar do eu - lírico na sofrida tentativa de descobrir qual o ponto de vista que ele está: ele passou pela pedra ou apenas viu a pedra e retornou?
As pedras em nossas vidas podem representar muito mais que um obstáculo, mas uma decisão. Aquilo de “colocar uma pedra no passado” é a prova que muitas das nossas escolhas são cruciais para continuarmos a trilhar pela estrada da vida. Mas não é tão simples deixar para trás parte daquilo que fomos e que fizemos, quem conhecemos, com quem nos relacionamos e principalmente descartar sonhos que não irão mais se realizar. Viver requer de nós a coragem de nos enfrentarmos todos os dias na busca pelo amadurecimento e crescimento.
Não é uma simples questão de seguir, mas sim de saber seguir. É saber entender que uma blusa que te custou muito caro quando você tinha 20 anos talvez não tenha mais o mesmo valor quando você chegar aos 21... tampouco te servirá aos 23 e simplesmente estará ali, amontoada no guarda-roupa. Chega um momento que é preciso decidir dar um destino ao que não nos serve mais, desocupando espaços que nos serão úteis futuramente.
Da mesma forma são as lembranças. Muitos momentos nos foram de grande importância, mas que com o passar do tempo perderam o sentido e apenas ficaram ali, ocupando espaço em nossa mente, nos prendendo ao passado. Saber crescer é saber deixar para trás o que não nos interessa mais: pessoas que deixamos de falar, lugares que deixamos de visitar, remorsos ou sentimentos mal resolvidos. É preciso colocar uma pedra no meio do caminho, deixar para trás o que não nos acrescenta na jornada da vida.

Só assim, quando minhas retinas estiverem bem fatigadas, terei orgulho de saber que deixei, no meio do caminho, uma pedra.


domingo, 4 de dezembro de 2016

De Chapecó a São Luís: um país que chora

Haja coração para suportar tanta notícia infortuna em um curto espaço de tempo. Não dá para se manter inerte ante à perda sofrida esses últimos dias. O Brasil, definitivamente, está de luto.
A pior parte da perda é a ausência. Olhar o que estava ali e de repente saber que não estará mais fisicamente. Mas o que conforta o coração de quem fica é a lembrança, aquilo que ninguém apaga e nem desconstrói.
            O futebol guardou seus foguetes, baixou suas bandeiras e silenciou seus gritos de comemoração e deu lugar às lágrimas, à dor e à tristeza... A literatura, por sua vez, ficou sem palavras...
            A tragédia que aconteceu ao Chapecoense nos pegou de jeito também. Aquele avião caiu em nossos corações e destroçou nossos sentimentos. De repente tínhamos dentro de casa apenas as lembranças de pessoas que talvez antes nem conhecíamos e nos arrependemos de não os ter conhecido antes, e quando tivemos a oportunidade, eles já tinham ido. Vimos que o futebol não é só um jogo, mas sim uma paixão, um elo capaz de unir pessoas, sem levar em consideração as rivalidades. Não era difícil encontrar quem conversasse sobre o tal ocorrido, parecia que todos agora tinham algo em comum, como se todos tivessem perdido o mesmo parente.
            Todos os canais de televisão pareciam não querer competir em relação às suas programações... onde quer que estivéssemos, éramos todos chapecoenses...
E foi no meio desse turbilhão de emoções que silenciosamente perdemos Ferreira Gullar... sem alardes, sem previsões... a notícia também nos chegou de supetão: quem imaginaria que um avião cairia em uma madrugada levando um time inteiro de futebol? Da mesma forma, quem imaginaria que num domingo de manhã a poesia nos fosse levada? Talvez a ida desse brilhante poeta seja uma gota ante ao mar de sofrimento dessa semana, mas sabe aquela gota que faz a água do copo transbordar? Pois é, hoje transbordei...
É até irônica a forma como os poetas se vão... silenciosos.
Eles não movimentam uma nação, não unem tantas pessoas em um só lugar, não gritam em alto e bom som... mas dizem muito e dizem tudo! É como se eles buscassem manter, até mesmo na morte, a delicadeza da poesia e ir assim, de mansinho, como se quisessem dizer: minha morte não precisa ser tão notada... note o que fiz em vida!
Não foi fácil receber a notícia da partida de Gullar, não é fácil sentir que mais uma de nossas mentes pensantes e poetas brilhantes está indo embora e nos deixando de herança tudo o que possuía: a genialidade e delicadeza com as palavras.
Sabe aquilo de que no Brasil um poeta só é valorizado ao morrer? Pois é, quem sabe agora muitos passem a conhecer esse grande nome da nossa literatura, que antes de morrer fez um singelo pedido: “quero entrar no mar e ir embora”. E assim foi... Entrou no mar de caos em que estamos inseridos e de mansinho deu seu último mergulho. 


sábado, 9 de julho de 2016

36 anos sem o Poetinha

Madrugada do dia 09 de julho de 1980. Vinícius está em seu apartamento ao lado de seu grande amigo, Toquinho, compondo músicas infantis sem saber que aquelas seriam suas últimas horas de vida e fazendo o que mais amava, escrever. Conhecer Vinícius de Moraes é encontrar o amor em palavras, em versos, em canção.
 Criador da Bossa Nova, o Poetinha, como ficou conhecido, foi o inspirador de grandes nomes da música brasileira como Chico Buarque, Toquinho, Tom Jobim, Caetano Veloso, Edu Lobo, Maria Betânia entre tantos outros.
Vinícius era um homem intenso, sempre muito apaixonado e isso era bem perceptível em suas letras e em sua vida: Casou-se 9 vezes e sempre dizia estar apaixonado pela primeira vez e qualquer baixa no relacionamento o deixava muito debilitado, pois precisava do amor para viver. Além de poeta e compositor, foi diplomata, mas sempre afirmou que a poesia foi sua primeira vocação. De vida declaradamente boêmia, Vinícius inovou a literatura brasileira levando poesia e samba para as periferias e valorizando a figura do negro. Sua peça Orfeu da Conceição teve todo o elenco composto por negros, o que para a época era muito inovador. Vinícius se declarava o poeta branco mais preto do Brasil.

Nosso poetinha encanta da criança ao adulto e faz isso com muita maestria. Quantas pessoas moraram em “uma casa muito engraçada que não tinha teto, não tinha nada”, sentimos pena do pato que após aprontar tanto foi parar na panela... Declaramos fidelidade ao nosso grande amor, prometendo-lhe que em tudo lhe seríamos atentos e pedindo que fosse infinito enquanto dure...
 Ah, Vinícius... Eu já quis ser tua namoradinha, exatamente essa coisinha que você chamava de Amor...
 Em 1980 o Brasil perdeu um grande poeta, que saiu da vida para entrar em nossos livros, corações, canções e pensamentos...


terça-feira, 5 de julho de 2016

Da reciprocidade


Poucos momentos são tão agradáveis e tão primorosos como estar ao lado de alguém que nos corresponda com reciprocidade: que perceba a roupa que estamos usando e nos elogie pela escolha da cor do vestido; que nos encare tentando decifrar o que se passa em nossa cabeça como se os pensamentos fossem uma chave que abrisse a porta do nosso coração.
 Ah! A reciprocidade. Aquilo de olhar juntos na mesma direção nem que por poucas horas e, na mesma intensidade, deixar olhos, lábios e mãos se encontrarem e como que embalados pela mesma canção os corações dançam dentro do peito.
Não podemos planejar quando vamos encontrar alguém que nos acompanhe em uma tarde ensolarada e nos convide para tomar um cappuccino e dedique tempo para admirar nosso cabelo, sorrisos e trejeitos. Que queira simplesmente estar ali e que diga que aquele momento está sendo maravilhoso simplesmente por você fazer parte dele. Reciprocidade é isso: o retorno à atenção ofertada, ao carinho dedicado. É a prova de que o amor, em sua multiplicidade, existe e ainda habita os corações humanos, transformando-os e transbordando-os, pois já se encontravam completos.
Como uma poesia bem rimada, bem cadenciada, a reciprocidade preenche o coração trazendo a sensação de paz. Como encontrar uma fonte de água em meio ao deserto que é o coração da maioria das pessoas que nos rodeiam. Já dizia o poeta “é impossível ser feliz sozinho” e mergulhando na onda de Jobim, podemos entender que é impossível fazer do amor um sentimento ímpar. Não se pode amar sozinho. O amor é o encontro de duas almas que anseiam pela plenitude de se completar até transbordar e encontrar no outro aquilo que lhe é comum e procurar aventurar-se por caminhos ainda incógnitos.

Como a semente precisa de uma terra fértil e preparada para recebê-la e permitir o crescimento de uma linda planta, o amor também precisa de um coração disposto a agir com reciprocidade para fazê-lo acontecer.  


quarta-feira, 4 de maio de 2016

O voo do passarinho (Homenagem a Mario Quintana)




Em cinco de maio de mil novecentos e noventa e quatro, um lindo passarinho alçou voo para nunca mais voltar... Morria o escritor Mario Quintana. Poeta humilde que falava de coisas simples. Até mesmo sua morte, momento que foi ofuscado pela passagem de outro grande nome, Ayrton Senna, revelou sua simplicidade. 

Conheci Mario Quintana de uma forma muito linda, quando eu tinha 10 anos de idade. Minha família não tinha qualquer assinatura de jornal impresso, mas um dia, entro em casa e em cima da mesa vejo um. Folheio, principalmente para procurar imagens ou até mesmo a seção de piadas e de repente, em uma das páginas, vejo um texto de Quintana, era uma linda reflexão sobre o tempo e  foi ali que li pela primeira vez li a frase:

 “o segredo não é correr atrás das borboletas... é cuidar do jardim para que elas venham até você”.
 Fiquei encantada.

Já em outro momento da vida, após ter adquirido mais maturidade literária, encontrei-me novamente com Quintana e dessa vez, deixei-me inebriar por suas palavras, seus pensamentos e seus poemas... Como não se sentir apaixonada por tão belas palavras: lindas interpretações daquilo que via e presenciava. Poeta é aquela pessoa que consegue exprimir através de palavras aquilo que nós não conseguimos, apenas sentimos. Como não fechar os olhos e sentir por dentro a emoção de poder reproduzir “tão bom morrer de amor e continuar vivendo”. Quantas pessoas já cultivaram amizades eternas com a frase “amizade é um amor que nunca morre”. Quantos já expressaram a urgência de amar dizendo “a vida é breve, e o amor mais breve ainda”.
Quintana pedia, implorava em suas palavras para que jamais fosse esquecido, e se caso isso viesse a acontecer que pudesse ser “bem devagarinho”

Quanto mais lemos Quintana, mais temos vontade de ler. As palavras de fáceis interpretações, as verdades mais latentes e a delicadeza dos sentimentos estão impressas em cada verso, em cada poema, em cada reflexão. É difícil não se apaixonar, falo por experiência própria. Sabe quando encontramos alguém que faz poesia até dos infortúnios? Encontrei esse alguém em Quintana. Já com a idade avançada, sem nenhum familiar que pudesse lhe dar abrigo, o poeta gaúcho foi morar em um pequeno apartamento emprestado. O local era bem pequeno mesmo. Uma repórter, intrigada com aquela situação, perguntou-lhe se não se sentia mal por morar em um lugar tão apertado. Quintana respondeu:

“Eu moro em mim mesmo. Não faz mal que o quarto seja pequeno. É bom assim, tenho menos lugares para perder as minhas coisas”.

Podemos ainda notar a simplicidade de Quintana quando, após três tentativas frustradas de se tornar um imortal da Academia Brasileira de Letras, inocente diante de todos os meandros políticos que há por trás dessa grande instituição, respondeu de forma bem humorada a todos aqueles que atrapalharam seu sonho: 


Todos estes que aí estão

Atravancando meu caminho

Eles passarão...Eu passarinho!

Um dia, esse pássaro alçou voo. Mas pediu delicadamente a todos que não consultassem os relógios quando esse dia chegasse. Para Quintana “o tempo é uma invenção da morte”. Chegou o dia em que ele “acabou”. Sua maior tristeza não era morrer, mas sim deixar de viver. Mas suas poesias, seus sonhos e seu legado perpetuam no coração de seus leitores e admiradores. 


Quando morremos, acontece com as nossas esperanças o mesmo que com esses brinquedos de estátuas, em que todos se imobilizam de súbito, cada qual na posição do momento. Mas as esperanças têm menos paciência. E vão imediatamente continuar no coração dos outros, o seu velho Sonho Interrompido. 
(Mario Quintana)


segunda-feira, 28 de março de 2016

Amor em tempos de caos



Inflação, juros, impostos...

Parece que estamos presos a tantos problemas globais, alguns deles com nomes e significados tão intrincados como impeachment, foro privilegiado... Contas, aqui e fora, recheadas de zeros e zeros... As conversas estão permeadas de “fica”, “fora”, petróleo, corrupção... Não há como fugir de tudo isso, até o calor está perdendo o seu lugar como mote de conversa paliativa na fila da lotérica, no elevador ou na mercearia. Muita conversa, pouca solução e nenhum amor.

 Tornamo-nos pessoas práticas. Conversamos sobre o que é rentável, o que pode gerar lucro, o que deveria ser feito, quem seria a pessoa mais apropriada para representar uma nação. Reclamamos do preço do arroz, do feijão, do aumento do gás, da passagem de ônibus... Ser romântico em tempos de caos é o mesmo que plantar uma pedra e esperar nascer uma flor.

Mas o que não entendemos é que o que realmente está faltando, de verdade, é amor. Se os grandes políticos tivessem amor pelo povo que dizem representar, pela nação que dizem defender, não tirariam dos cofres públicos tanto dinheiro para investir no próprio ego.

O que esperar daqui pra frente? Mais guerras? Mais problemas políticos insolúveis? Parem o mundo, pois quero descer! Desculpem-me, mas não quero viver em um mundo tão mecanizado, consumista e tão cheio de desamor. Recuso-me a aceitar que considerem ultrapassado escrever uma carta de amor, sair para ver o por-do-sol, banhar na chuva ou correr em direção ao vento. Não seria tão utópico desejar que, em meio ao caos, em meio à tanta desordem e tanta injustiça, expressemos amor. Um sorriso a quem passa na rua, desejar um bom-dia ao motorista do ônibus, ao segurança da escola, aos faxineiros do trabalho, aos vizinhos; uma ligação no meio do dia a alguém especial, dividir o lanche, carregar as sacolas de alguém; ouvir histórias de pessoas mais velhas... Gentileza gera amor, carinho gera amor, solidariedade gera amor, respeito gera amor, amor gera amor!

Quando todos perceberem que o amor é a única arma contra a injustiça, contra a violência e contra a desordem, irão vencer a guerra! 


quarta-feira, 2 de março de 2016

Um encontro entre o amor e a ternura



“Nas histórias de amor há mais que amor. Às vezes não há nenhum ‘eu te amo’, mas se amam.”.



Sabe aquele momento em que você assiste a um filme e ele te prende de tal forma que você se sente parte dele? Quando você toma para si as dores e as emoções das personagens e sente que depois daquele momento você não será mais a mesma pessoa? Foi assim que me senti após assistir Minhas tardes com Margueritte.
Esse filme conta a história do encontro diário entre Germain - um homem que não teve tantas oportunidades na vida e por esta razão cresceu sem saber ler direito, não tem boas relações com a mãe e trabalha por conta própria para poder se sustentar e que passa as tardes contando os pombos de um parque – com Margueritte, uma senhora de 95 anos que mantém o hábito de ler todas as tardes num banco de um parque.

À medida que o tempo passa, Germain sente a necessidade de ouvir mais, de conversar mais, de aprender a ler. Algo o incomoda a mudar e ele vai mudando gradativamente, até que decide quebrar as barreiras que o prendia à sua ignorância e estado de imobilidade. Germain, um homem grande e pesado, demonstra ter a alma tão leve e na simplicidade de suas ações, na tentativa de ajudar quem estava triste, mesmo sem saber ao certo o que dizer, nos leva a perceber que às vezes ignoramos a dor dos outros por estarmos tão preocupados com nossos próprios problemas. 
Margueritte, uma mulher com nome de flor, é uma cientista aposentada e que mora em um abrigo para idosos. Mesmo com o cansaço da idade e com as debilidades que adquiriu com o tempo, ela ainda assim se permite transmitir algo bom para alguém. Ela passava horas lendo trechos de livros para Germain, oferecendo-lhe um pouco de vida, dando-lhe um pouco de amor, sem para isso precisar dizer “eu te amo.”.
 Nós também podemos transmitir vida. Em meio ao caos econômico, político e social que estamos vivendo, oferecer um sorriso, um gesto de carinho e atenção pode transformar vidas. Há tantas pessoas que estão precisando de um pouquinho de amor para continuar vivendo...

Ternura, essa é a palavra chave. Palavra pouco usada em nosso dia a dia e que seu significado pode até ser estranho para algumas pessoas. Devemos plantar mais ternura em nossas relações e que elas possam ser vividas e vívidas. Que sintamos a necessidade de provocar nas pessoas o desejo de mudar, de ser feliz e assim, darmos significado à vida em um cenário de guerra.